sábado, 12 de março de 2016

Baby, you should go and love yourself! - Body Shaming & Body Acceptance Journey!

AVISO: este post menciona violência física, psicológica, assédio e distúrbios alimentares.

Como começar este texto? Não sei bem. Tenho vários dilemas em mãos. O primeiro é que fui criada e ensinada, como muitas pessoas mas sobretudo, como muitas meninas, que não devemos agir de cabeça quente. Uma senhora nunca perde a calma e postura, não há espaço para grandes temperamentos e nem para um 'bitaite' ou outro. O meu segundo dilema, é que quero evitar ao máximo fazer de mim o único 'exemplo' na página sempre que me deparo com este tipo de situações. Quero também mencionar outras pessoas que acabam por experenciar as mesmas situações (e calma, já la vamos!), mas dar o exemplo próprio é mais prático e deixa-me à vontade para abordar o assunto sem grandes cuidados e preocupações.

Ao longo da minha vida passei por várias formas de body shaming ou para o pessoal menos ambientado na matéria e conceitos, sofri de bullying devido ao meu aspecto físico.
Não me lembro ao certo quando tudo começou ou, pelo menos, de quando tomei consciência que o meu corpo era, de alguma forma que me ultrapassava, errado e motivo de chacota.
Lembro-me de brincar no infantário ao 'faz de conta' e ser uma das fadas madrinhas da Bela Adormecida, mais robustas como eu, subentendendo-se assim, que 'meninas gordas não podem ser princesas OU as princesas nunca são gordas'. Pudera, as princesas são delicadas e bonitas e gordura nunca é sinónimo de beleza, apesar dos antigos dizerem que 'gordura é formosura' (a Depuralina nem o ditado conseguiu deixar em paz!)

Quem é que precisa de princesas da Disney quando tem a Rose Quartz, tho!

Nas brincadeiras do básico, passei a ser a Sailor Júpiter, que já agora, é das minhas sailor scouts favoritas mas a escolha na hora do recreio, recaía no facto dela ser a mais bruta, a mais forte, a mais alta e a mais 'entroncada' - sim, a uma certa altura fui a mais alta do meu grupo de amigas. Hoje em dia podia perfeitamente partir numa aventura com o Pippin e o Merry pela Terra Média sem ninguém notar a diferença de alturas (os meus pés são mais pequeninos e menos peludos, vá!)

'Fuck off, bintch! :b'

Contudo, as queixas que apresentei até agora, são o lado mais 'cor de rosa' da história.
Entre tudo aquilo que a sociedade me dava a entender através da forma como crianças me segmentavam nas horas de lazer, algumas começavam-se a 'esticar' na forma como me tratavam.
Do 'gorda e feia' ao 'nojenta', e até mesmo, a uma música que insinuava que eu era flatulenta, apesar de nunca me ter atrevido a 'largar um traque' em público, miúdos e miúdas trataram-me abaixo de cão, passando pela violência física e assédio a partir do momento em que ganhei maminhas.


No 5º ano sofri às mãos de uma auxiliar do ATL que frequentei. Fazia questão de gozar comigo à frente dos meus colegas e amigos. Se um adulto pode fazê-lo e daquela maneira porque não eles seguirem o exemplo? Lembro-me dela ter sido mãe muito nova e o filhote ser bem pequeno. Era esse o tipo de educação que lhe viria a dar? Ensiná-lo a fazer uma miúda de 10 anos chorar na casa de banho de um estabelecimento que deve cuidar da melhor maneira os alunos na ausência dos pais?

Nos anos seguintes, os únicos elogios tecidos à custa do meu corpo baseavam-se no quão 'adulta' e 'crescidinha' eu parecia. 'Tem corpo de senhora!', 'Parece uma senhora pequenina!', ouvia eu da dupla de professoras de EVT no dia em que me atrevi a levar uma mini saia super justa e curta. A única coisa positiva a dizer sobre o meu físico implicava a sexualização de uma criança de 12 anos.

'Sorrir e acenar, sorrir e acenar!'

No Verão do 7º para o 8º emagreci imenso. Adorava andar de patins e a baby fat começou a desaparecer. Não comia muito, o que também ajudava.
Os insultos pararam e de repente os rapazes até me achavam gira e não era no gozo. Estava tudo resolvido. Já não era a miúda gorda.
Ainda assim, não me sentia magra o suficiente. No 10º ano voltou outra vez a pressão para manter a 'forma', ou tentar ficar 'ainda melhor'. Pesava entre os 55-60 kg. Estava 'bem' para quem me via, mas saltava o pequeno almoço e ás vezes sentia vontade de tentar forçar o vómito depois de grandes refeições (sem sucesso e ainda bem!)


No ano seguinte, tinha eu 17 anos, comecei a tomar a pílula. Implodi. Mamas, ancas, coxas. Tudo maior. Muito maior que o que estava habituada. Uma pessoa muito próxima, a meio de uma discussão, disse e passo a citar 'estragaste o teu corpo'.
Estava gorda outra vez.
Tentei hidroginástica, comer menos. A minha alimentação era a mesma mas sentia-me cada vez maior. Se calhar fez falta a informação sobre o que é que uma mudança hormonal tão brusca pode fazer ao corpo de uma mulher.
Acabei por ir a uma nutricionista e emagreci no Verão antes da universidade.
Um dos responsáveis da biblioteca da minha secundária, cujo nome não posso revelar porque é uma personalidade e tanto lá na escola, que outrora me tinha dito que eu 'valia tanto quanto pesava', felicitou-me quando fui em visita com o meu namorado. Foi brutalmente honesto comigo, dizendo que se eu não tivesse decidido emagrecer, se calhar já estava solteira outra vez. Aquela estalada de luva branca mesmo desnecessária, né.


Com a universidade e a vida numa residência, começaram os problemas em manter o peso. Não que eu não comesse bem, apesar de viver um ano numa residência com um microondas, tornar essa tarefa difícil. Bastava-me ter acesso a uma cozinha para fazer pratos equilibrados como sempre fiz para melhorar esse aspecto.
Entretanto, passava os Verões na nutricionista.
O terceiro ano foi o ano da 'dieta a sério', com direito a sessões de acupunctura, mas finalmente, uma médica que me conseguia dizer que tenho um metabolismo mais lento que um caracol. O Erasmus veio poucos meses depois e adicionou-me uns quantos quilos. A oferta em termos de alimentação saudável não era muita em Manchester, haviam chocolates ao preço da chuva, ansiedade e muitas saudades de casa. Uma mistura explosiva e perfeita para aqueles 10kg extra que vieram para Portugal com a bagagem. Tendo em conta que sou 'pro' a ganhar peso mas não a perdê-lo, continuei assim. Bem mais gorda, com toda a gente a relembrar-me constantemente que devia perder os quilinhos de Inglaterra. Eu própria a lembrar-me disso. Sabia lá eu que 10kg mais pesada, seria bem mais feliz com o meu corpo do que antes de viajar para as terras de sua majestade.


E foi assim. O trabalho chegou e lidar com vários corpos colocou-me na perspectiva de quem me ouvia lamuriar sobre o meu físico, sobre o meu peso.
Só queria dizer coisas simpáticas às clientes gordas da Dama de Copas. Mulheres lindas, pesadas e que mereciam todos os elogios do mundo por serem absolutamente fantásticas. Era ridículo como ficavam maravilhosas no provador mas não conseguiam tecer um único comentário positivo sobre si mesmas. Comecei a aperceber-me que também eu teria que chegar a um acordo de paz com o meu corpo, que era igual a tantos outros que eu achava bonitos.


Não vou mentir. É complicado. Primeiro, porque toda a gente faz questão de nos criar-nos para sermos modestas. Não há problema nenhum em receber elogios, mas nunca podemos ser nós a tomar a iniciativa de apontar os nossos pontos positivos e as partes do nosso corpo que amamos. Vivemos numa sociedade que valoriza muito mais a validação de outrem que o amor próprio e a vontade de nos olharmos ao espelho.
Foi difícil e demorou mas cheguei a um ponto em que consigo ver em mim (ainda que nem todos os dias...alguns são simplesmente complicados and that's ok!), aquilo que o meu namorado, xs meus/minhas amigxs ou o que a pessoa que me faz um elogio numa foto do instagram, vê!
Levar o meu corpo à praia já não custa, andar de calções apesar dos olhares também já não é o equivalente a atravessar um campo cheio de minas de judgemental looks e admitir que fico bem de decote não dói como arrancar uma banda de cera da virilha.


Ainda assim, há uns dias disse que fui convidada para a televisão, vou estar em soutien para o país inteiro e ouvi imediatamente, de uma das pessoas que mais amo no mundo, que 'ainda não me deixei disso', 'que devo ter a mania que sou jeitosa', que é uma 'pouca vergonha'.
Tento engolir em seco mas como sou teimosa 'comó raio', respondo que o faço para mudar mentalidades. Pelo poder e importância que tem para outras pessoas verem nos media alguém com o mesmo corpo que elas ou pelo menos com um corpo que foge aos padrões sociais de beleza com os quais somos constantemente bombardeados, representado. De nada vale. É uma vergonha ter uma gorda em soutien na televisão.


Por isso nestas horas, relembro a jornada que tem sido e os anos que passaram até em estar em paz comigo mesma. E tento dizer baixinho, para mim, que não importa o que dizem ou pensam, que devo continuar a fazer o que faço melhor, ainda que à minha maneira e sem o apoio de alguns que me dizem muito.

Aos pouquinhos, mudamos mentalidades e semeamos amor nas pessoas que caem na mesquinhez por não aprovarem o aspecto de outros, para que um dia, gordx deixe de ser um insulto. Tal como magrx, altx e baixx não o são. E também, para que finalmente, sejamos capazes de gostar e mimar a pessoa que se mostra em frente ao espelho, mesmo quando grande parte do mundo nos diz que devemos fazer o contrário.